Opinião de Mário Parra da Silva, Presidente da APEE, em “101 vozes pela sustentabilidade” uma declaração de interdependência

Porque precisamos de nos preocupar com os desafios colocados pelas megatendências ligadas à sustentabilidade? 

De forma geral a economia portuguesa é pobremente posicionada nas cadeias de valor globais, envolvida no fornecimento de componentes, mas não controlando o produto final, ou a sua conceção, design, financiamento e marketing. Assim o “input” para as indústrias nacionais é a solicitação do Cliente em produtos em curso de desenvolvimento. Raramente o empresário português é envolvido na inovação e na conceção dos produtos do futuro. Isso refletiu-se na forma como entre nós foi recebido o movimento da Responsabilidade Social, entre 2000 e 2010. A geral indiferença das PMEs foi acompanhada de aproveitamento da “moda” por departamentos de comunicação, que viram uma ótima oportunidade de mensagens apelativas com baixo custo real.
Mas não era uma moda, tratava-se sim do primeiro sintoma de que algo estava mal no modelo de desenvolvimento, que tinha criado empresas alheias à Sociedade exceto no aproveitamento da capacidade e desejos de consumo, criando cada vez maiores problemas na vida quotidiana das pessoas e maior pressão sobre os recursos naturais.
A palavra “responsabilidade” caía mal numa cultura popular que havia sido orientada para os “direitos” como suporte à ânsia de consumir. Enganado pelas palavras, o cidadão médio achava que tinha “direito à saúde” quando o que tinha era direito aos cuidados de saúde, sendo a sua saúde em última análise sua própria responsabilidade. Consagrou-se o “direito ao trabalho”, mas não a responsabilidade pela aquisição de competências e a responsabilidade pelo bom exercício do seu ofício. E assim por diante.
O modelo de desenvolvimento assentava (assenta?) no caminho linear produção- consumo-destruição, em que o cidadão é substituído pelo consumidor, entidade essencialmente passiva e egoísta, constantemente motivado para gastar o que ganha hoje e endividar-se gastando o que vai ganhar amanhã.
Como logo nos anos 70 avisou o Clube de Roma e o seu grupo de investigadores do MIT, este ciclo podia ser observado matematicamente e prever-se o seu fim, por esgotamento em recursos naturais e crescimento de impactes ambientais.
Apesar de saudado e amplamente citado, o estudo “Limites do Crescimento” permaneceu uma curiosidade académica e uma bandeira para pequenos grupos de ecologistas, classificados de pessimistas que não haviam sido capazes de incorporar nas suas previsões o efeito de ações corretivas como a reciclagem, de novas descobertas como os recursos petrolíferos, ou do efeito da mineração dos oceanos, que quando combinadas atirariam o tal “limite” para um futuro longínquo.
Nem o Relatório Brundtland no fim dos anos 80 abalou essa (conveniente) convicção de que se tratava de exagero de ecologistas, muitas vezes politicamente suspeitos de serem antissistema e movidos por inveja dos mais ricos e poderosos.
Neste contexto, a responsabilidade social surgia como um folclore que importava não contrariar abertamente, mas que deveria ser empurrado para os assuntos sem importância de maior nos negócios.
Quanto ao dito “desenvolvimento sustentável” foi tratado como séria ameaça, por ser uma forma disfarçada de aumento de impostos. O que se pretendia era fazer as empresas pagar por externalidades da atividade económica que cabia ao Estado resolver. O maior contributo das Empresas para a sua responsabilidade e para a sustentabilidade do desenvolvimento seria pagar os seus impostos e contribuir para a riqueza da sociedade, com postos de trabalho e compra aos fornecedores. Friedman dixit. O problema devia ser visto como “tornar sustentável o atual modelo de desenvolvimento” e não imaginar um outro modelo diferente.
Em 2006 Carlos Zorrinho, então Ministro, anunciava para a Estratégia Nacional de Desenvolvimento Sustentável três metas transversais: colocar Portugal em 2015 num patamar de desenvolvimento próximo da média europeia, entre os primeiros 15 países do Índice de Desenvolvimento Humano do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e entre os primeiros 25 mais competitivos do mundo.
Era mais um Plano, entre muitos, desde o Plano Energético ao Tecnológico.
Mas o ambiente geral de negócios era adverso e a crise de 2008 deitou por terra o que restava.

Apesar das hesitações, a empresa portuguesa não podia ignorar o que se passava em mercados mais avançados, porque os clientes falavam cada vez mais em requisitos, tanto para produtos como para as empresas em si. Os relatórios são cada vez mais exigidos, as evidências requeridas em áreas como a ética, o tratamento de efluentes, as fontes de energia e controle de consumos, as relações laborais e envolvente social, o próprio modelo de governação, mesmo em PMEs.

Em 2015, quando foi proclamada a Agenda 2030 das Nações Unidas, as grandes tendências da sustentabilidade ficaram identificadas. Antes de mais, dar a todos uma vida digna – sem pobreza, nem fome, com acesso a cuidados de saúde e bem-estar, com acesso à educação e à realização profissional, sem discriminação, de género e outras.
Criar um novo paradigma de desenvolvimento que aproxime Países e Comunidades, em vez de aprofundar o fosso entre ricos e pobres.
Cuidar da Vida, na Terra e nos Oceanos, a par do combate às Alterações Climáticas induzidas pela atividade humana na produção e consumo de energia, na atividade industrial, nos transportes e na extração mineira.
Criar Instituições fortes, democráticas, justas e respeitadas, que possam garantir a Paz e a Cooperação.
É uma Agenda Global, para todos os Estados e para todos os Seres Humanos, aprovada na Assembleia Geral das Nações Unidas. Como outras resoluções anteriores correu o risco de ser um nado-morto, ignorada e desprezada como uma mera declaração de boas intenções, sem relação com o mundo real.
Mas a necessidade impôs-se (Al Gore deu um forte impulso) e tal não aconteceu, pelo contrário, a sua aceitação foi geral, em Organizações e Países. Pela primeira vez a Humanidade teve um Guia global, geralmente aceite e seguido. A Utopia faz-se realidade.
Para a economia portuguesa é uma oportunidade de reconhecer as necessidades globais e de procurar respostas, de desenvolver novas soluções, de oferecer valor aos seus Clientes indo ao encontro do que eles procuram, na certeza de que todos estão a procurar responder às novas tendências dos (agora) Cidadãos-Consumidores ou consumidores mais conscientes.
Não é “business as usual”, mas verdadeira mudança.

Que passa também pela Pessoa que trabalha. Neste novo modelo, os conceitos que antes não faziam parte do mundo do trabalho adquirem centralidade. O bem-estar (e não apenas a ausência de acidentes), a felicidade pessoal (e não o desdém pelos problemas particulares), a conciliação com as dimensões familiar e pessoal da vida, a atração e retenção de talentos, o sentido de propósito e a realização no exercício profissional. A organização que integra as Pessoas em vez de simplesmente as usar.
Os produtos na totalidade do seu ciclo de vida e não apenas no período do seu uso primário. De onde vêm e que lhes vai suceder após o uso? Como “circularizar” a matéria-prima? Como substituir artefactos materiais por experiências? Como fornecer soluções ou serviços em vez de produtos?
Como adaptar a atividade à redução do consumo de energia? E como tratar a água como o recurso precioso e escasso que de facto é? E que novos materiais e novos processos poderemos adotar para responder a estes desafios? Que novos alimentos poderemos desenvolver e oferecer? Como os embalar em segurança? E que novas atividades e profissões poderão ser criadas ou reinventadas, que novas artesanias, que futuras atividades sociais, culturais, lúdicas, poderão dar trabalho e emprego? Que novas formas de relação entre as pessoas poderão ser usadas para responder a necessidades sociais de serviços públicos, de acompanhamento, de cuidado?
Como usar a tecnologia para saber melhor o que fazer, quando e como? E como aproveitar a tecnologia e as comunicações para ensinar melhor, para mostrar os caminhos da aprendizagem, para tornar ricos em experiências os primeiros anos da vida, os mais intensos em capacidade de apreender?
Nesta nova configuração o Estado terá de ser profundamente reformado, com uma nova conceção de Serviço Publico, e não de incentivo à proliferação de pequenos poderes. Não será possível numa sociedade de baixo consumo energético e de “leveza” (uma das propostas de Italo Calvino nas célebres Lições Americanas), ter um Estado tipo Indústria 2.0, pesado e grosso, burocrático e irresponsável, dirigido por poderes e não servidores – afinal o sentido original da palavra “ministro”. Só assim o pesadíssimo custo que as Empresas suportam, poderá ter a contrapartida de suporte que é suposto o Estado proporcionar. Ou o Estado reduz a carga que impõe à economia ou presta serviços com eficiência e eficácia.

As Instituições económicas terão de se abrir aos que transportam e desenvolvem os conhecimentos de hoje e do futuro e não continuarem a homenagear e dar palco a ilustres, mas ultrapassados, saberes do anterior modelo de desenvolvimento, que, compreensivelmente, desvalorizam tudo o que não sabem.
Não é uma questão de idade, mas de aprendizagem contínua. Está extinto o modelo que dividia a vida em três períodos – no primeiro aprendia-se, no segundo trabalhava-se e no terceiro descansava-se. Hoje a aprendizagem terá de ser continua, o trabalho deve ser gratificante e gerar bem-estar, os períodos de repouso são ao longo da vida, a atividade produtiva ou mesmo profissional estende-se para
lá da suposta “idade de reforma”.
As Organizações em geral e as Empresas em particular, deverão analisar com frontalidade os seus modelos de negócio (por exemplo usando o ciclo de Deming) e introduzir a reflexão sistemática sobre o que fazem e porque o fazem, tendo em mente a sua sobrevivência a médio e longo prazo. Será essencial aumentar e mesmo universalizar a fluência em língua inglesa, pelo menos escrita, de modo a viabilizar a aquisição de novos conhecimentos. As Organizações e as Empresas, em particular, deverão valorizar os Jovens e abrir-se à sua influência inovadora, aceitando e aprendendo a conviver com estilos de vida e formas de trabalho mais flexíveis e mais interativos com meios tecnológicos. As diferenças salariais, por muito que isso custe a alguns, devem ser dependentes do conhecimento valioso para a
Organização e não da antiguidade.
Portugal fez uma revolução pioneira em 1974, logo seguida pela Espanha e Grécia e saudada em todo o Mundo. 48 anos depois exige-se uma reflexão sobre o envelhecimento das instituições e a falta de resposta que nos leva à incapacidade de concorrer com outros Estados da União Europeia.
O desafio do Desenvolvimento Sustentável é uma oportunidade de rever os nossos modelos de governo
e funcionamento económico. Poderá não haver outra.

Como é que a sua organização / setor / contexto tem enfrentado os desafios colocados por essas
megatendências?

A APEE – Associação Portuguesa de Ética Empresarial, trabalha na difusão e adoção da Ética nos negócios (Business Ethics) e da Responsabilidade Social, através principalmente das Normas ISO e Nacionais, enquanto Organismo Normalizador Setorial, reconhecido pelo IPQ. Assegura a participação portuguesa nos Organismos da ISO e da UE ligados à ISO 26000, às Compras Sustentáveis, Economia Circular, Finanças Sustentáveis, Relatórios ESG e Igualdade de Género. A nível nacional também coordena Comissões Técnicas nas áreas da Conciliação, Bem Estar e Felicidade Organizacional. Atua em todas as áreas conexas com a Ética nas Organizações, auxiliando na criação de cultura organizacional, assente em valores e no combate à corrupção e suborno.
A APEE tem exercido uma ação catalisadora nos domínios do conhecimento, do envolvimento em programas de ação, do estímulo à inovação e da representação de interesses, sendo uma das principais referências nacionais na Sustentabilidade.


O que é a sua organização / setor / contexto tem feito em concreto, em termos de produtos e serviços, para dar resposta a esses desafios?

A APEE realizou, nos 20 anos que leva de existência, centenas de sessões de divulgação, sensibilização, informação e discussão sobre os temas da Sustentabilidade assente em Valores Éticos.
Organiza desde 2006, sem interrupção, a Semana da Responsabilidades Social, publicou Normas Portuguesas, transpôs Normas Internacionais, publicou inúmeros artigos de opinião, realizou milhares de horas de formação, enfim, procurou impulsionar o Desenvolvimento Sustentável, convicta de que é condição de competitividade e modernidade da economia portuguesa, além de ser um imperativo global.
Na cooperação com múltiplas instituições de Ensino Superior, e envolvendo-se em cursos, pós-graduações, mestrados, seminários e publicações, a APEE contribuiu para a formação dos Jovens nestes temas tão marcantes para o seu futuro. Na cooperação internacional a APEE destacou-se no apoio a Angola e à criação da Associação Angolana de Ética e Sustentabilidade, com o objetivo de
nesse País concretizar a representação do UNGC e a colaboração com a ISO, através do IANORQ.


Em termos pessoais, como vê o futuro do nosso planeta, quais as principais ameaças e quais as
grandes oportunidades?

O Modelo de desenvolvimento dos últimos 70 anos foi bem-sucedido em muitas áreas, nomeadamente da Saúde Publica e do desenvolvimento das regiões antes sujeitas a regimes coloniais, hoje países em rápido crescimento. Mas desconhecia os impactes ambientais que gerava e o aquecimento global provocado quer pelos GEE, quer por outras causas. A escassez de recursos foi gerida, mas as alterações climáticas impuseram-se, como verdade, embora inconveniente.

Nada que o engenho humano não consiga resolver, nada que as futuras gerações não possam encarar com sucesso. A par dos enormes desafios que enfrentamos, está também a enorme evolução tecnológica que nos deu instrumentos antes inexistentes.
A questão está na vontade política.
Mas até neste terreno permito-me ser otimista, já que, para além dos inevitáveis egoísmos nacionais, as organizações multilaterais têm produzido uma mensagem consistentemente positiva. Multiplicam-se as iniciativas de cooperação humana, em que vários Países e Regiões se concertam para encontrar respostas e implementar soluções.
A opinião publica, para lá de algum folclore mediático, está ganha pelo menos na Europa, e tem mostrado cada vez mais disponibilidade para suportar as opções pelo Desenvolvimento Sustentável e as limitações que daí decorram. Um novo Estilo de Vida está a criar condições para um novo Modelo de Desenvolvimento.
Na observação do Tempo Jornalístico vê-se desordem, confusão, conflitos, corrupção e crimes. Mas no Tempo Histórico vê-se cooperação, convergência, mudança de paradigmas, progresso, direitos humanos, reconciliação com a natureza, má imagem dos que persistem em negar as evidências.
As Nações Unidas ganharam uma centralidade nova, bem como as suas iniciativas multilaterais. Estão em construção as instituições que irão coordenar um Planeta unificado, que irão dar estrutura ao mundo global e que irão representar a Humanidade no seu todo. A parábola da borboleta que agita as asas e provoca um tornado a 10.000 km de distância mostra-nos a realidade do futuro – estamos “interdependentes”, e a pandemia está a deixar isso ainda mais evidente. Ou todos estão protegidos ou ninguém estará a salvo.
Há muito que fazer.

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