Conciliar trabalho e família em tempos de covid-19

Carla Eliana da Costa Tavares
Presidente da CITE – Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego

Já lá vão mais de duas semanas desde que muitos portugueses passaram a ter que encarar uma nova realidade nas suas vidas, o isolamento social.

A 13 de março de 2020, foi aprovado o Decreto-Lei do Governo n.º 10-A/2020, que estabelece medidas excecionais e temporárias relativas à situação epidemiológica do novo Coronavírus – COVID-19. O artigo 29.º deste Diploma, sob a epígrafe “Teletrabalho”, estabelece que durante a vigência deste decreto-lei, o regime de prestação subordinada de teletrabalho pode ser determinado unilateralmente pelo empregador ou requerida pelo trabalhador, sem necessidade de acordo das partes, desde que seja compatível com as funções exercidas. Ontem mesmo, foi publicado o Decreto n.º 2-B/2020, que regulamenta a prorrogação do estado de Emergência, onde no artigo 8.º se consagra como sendo obrigatória a adoção do regime de teletrabalho, independentemente do vínculo laboral, sempre que as funções em causa o permitam. No Código do Trabalho em vigor, o regime de Teletrabalho encontra-se previsto e regulado respetivamente no artigo 165.º e 166.º e tem sido sempre visto como uma “ferramenta” que promove a conciliação entre o trabalho e a família, muito apreciada por muitos, mas utilizada por muito poucos.

Na verdade, o “contrato para prestação subordinada de teletrabalho”, previsto no Código do Trabalho, tem um regime bem mais rígido do que a forma prevista no DL 10-A/2020, desde logo porque a sua aplicação obriga ao acordo das partes, com exceção de trabalhador ou trabalhadora com filhos até 3 anos, em que o empregador não se pode opor ao pedido formulado pelo trabalhador ou trabalhadora. Assim, de repente e sem que nada o fizesse prever, milhares de trabalhadores e trabalhadoras em todo o país encontram-se neste momento a desempenhar as suas funções em regime de teletrabalho, a partir de suas casas, realizando em muitos casos um desejo de há muito, tantas vezes negado. Estaremos então perante uma possível alteração, num futuro breve, à forma como temos todos encarado o teletrabalho? É bem possível que sim, por várias razões.

Na verdade, todos os trabalhadores e trabalhadoras que defendem o teletrabalho como mecanismo de conciliação familiar, e que desejavam poder trabalhar nessa modalidade, sempre tiveram consciência que este regime nunca se poderia aplicar de forma contínua, mas sim intercalando com a presença também no “local de trabalho” habitual, que não seja a sua casa. Parece-nos que, agora, esta necessidade ficará ainda mais clara e evidente. Por outro lado, há um elemento que não entrava na fórmula da equação até agora defendida em defesa do teletrabalho, a presença constante das crianças em casa. Ora, na sequência do encerramento das escolas e suspensão das atividades letivas, também decidida no âmbito do DL 10-A/2020, todos aqueles que, tendo filhos, passaram a estar a trabalhar em casa em regime de teletrabalho, passaram a ter que dividir o seu tempo entre o seu trabalho normal, o cuidar dos filhos e ainda o apoio ao estudo nas por vezes muitas tarefas que os professores enviam. Assim, de repente, uma medida que sempre foi encarada e defendida por muitos pais, tem-se tornado também um verdadeiro pesadelo para muitos pais e mães que desde o dia 16 de março se dividem entre as tarefas normais decorrentes do seu trabalho, o cuidar dos filhos, o apoio escolar aos filhos e ainda as tarefas domésticas, como fazer almoço e jantar, arrumar e limpar a casa e tratar das roupas. E isto está a deixar as famílias exaustas.  Na verdade, em muitos casos o regime de teletrabalho desregula os horários de trabalho, desde logo porque as famílias não conseguem durante o dia desempenhar todas as tarefas solicitadas pela entidade patronal e decorrentes das suas funções, acabando por trabalhar muitas vezes noite dentro, aproveitando as horas de sossego no lar, proporcionado pelo sono, tão esperado quanto desejado, das crianças. No entanto, com esta realidade, estão a ser subtraídas horas de descanso a estes trabalhadores e trabalhadoras, em especial às mulheres, a quem, infelizmente, continua a caber a maioria das tarefas domésticas.

Por toda a europa, chegam-nos relatos referentes ao aumento da violência doméstica em contexto de isolamento social, seja essa violência exercida entre cônjuges, seja de maus tratos a crianças. Estes são dados que nos devem preocupar e que é necessário e urgente prevenir. São tempos muito difíceis os que todos vivemos, que exigem sacrifícios a TODOS, todavia há que prevenir que esse peso não sobrecarregue, os trabalhadores e as trabalhadoras com filhos, sendo necessário encontrar um ponto de equilíbrio, para aliviar a pressão que por estes dias se vive, para que não sejam causados danos irreparáveis no futuro.

É tempo de aprender com este presente, para que no futuro não se cometam os erros do passado.

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